Luana Schrader
Selina achava piegas quem declarava fazer amor, até se deparar com o abismo entre transar e amar. Verbos e adjetivos distintos, orações sagradas, um vocabulário rico e entremeado por sinônimos singulares típicos dos enamorados. Quem transa entrelaça corpos. Quem ama, funde a tríade dos apaixonados: corpo, alma e coração.
Foi naquele instante, em um quarto com aroma de cabernet e loção amadeirada, que o tiquetaquear do relógio pausou. A jovem percebeu, então, que piegas mesmo era debochar de quem amava com pele e alma. No silenciar do clique-claque daquele relógio de bolso pendurado no paletó estendido no chão, compreendeu que brega era encontrar quem só transava com o corpo e deixava o coração do lado de fora da porta trancafiada. Deselegante, diriam as vozes de sua cabeça.
Através da janela, sorriu ao ver o reflexo do casal que se amava, um sorriso de reconhecimento e deleite. Alheios ao mundo, olhos nos olhos e corpos nus reluzindo à luz tênue. Moviam-se como ondas, ora calmas, ora intensas. Uma sinfonia sincronizada, como se dançassem ao som fugaz de suas respirações e batimentos. As mãos dedilhavam, exploravam, arrepiavam. Apertavam e afrouxavam, marcavam e acariciavam. Cada toque, um verso; cada movimento, um refrão. Artistas, pensou.
A jovem sabia que havia algo único naquela entrega – algo que muitos buscavam, mas poucos encontravam. Ainda sem conseguir desviar o olhar do reflexo daqueles corpos, delineados como mármore mitológico, suspirou ao reconhecer o desejo de sentir o mesmo que os exibicionistas refletidos na vidraça. Ignorando o mundo ao redor, sem cortinas e sem pudor, o casal parecia não se importar com expectadores, fazendo o desejo transcender as paredes de vidro.
Do alto do décimo sexto andar, poderiam ser personagens de uma história. Ou talvez os autores. Luxúria e amor se misturavam tão perfeitamente com o exibicionismo de uma noite de amor de frente para as janelas de vidro, que Selina sentiu como se aquela dança fosse sua, reconhecendo fragmentos ignorados de sua alma, ao encarar os reflexos. Naquela noite, Selina percebeu que ardor rimava com amor. Assim como os corpos sincronizados, os quais apreciava com tamanha curiosidade.
Em 42 metros quadrados ecoava a melodia de notas açucaradas e apimentadas. O sexo como obra de arte, os artistas como inspiração e o cenário como cúmplice de um segredo ardente. A cidade os assistia, ela os assistia e, sem pudor, sorria. Eles eram os artistas encenando o quarto ato de um novo espetáculo teatral e ela, os aplaudia.
Selina caminhou na ponta dos pés e fechou as janelas, vendo o reflexo dos dois apagar-se junto com as luzes. A textura da mão dele estava digitalizada em sua pele que formigava com a interrupção do toque tão familiar quanto o sabor de Nutella em sua língua.
— Fim do show.
Anunciou em um sussurro e foi inebriada pelo som das risadas cúmplices e dos cochichos intimistas. Do lado de fora, as estrelas piscavam como se o universo conspirasse para aquele amor acontecer; e no breu do quarto, Selina sentiu-se musa e artista, dona de uma obra inacabada. Afinal, depois da meia-noite, o conto de fadas não termina. Apenas recomeça.
*Publicado na Revista Autorretratos em 10 de janeiro de 2025*