Luana Schrader
Em um mundo predominantemente dominado pela energia do Deus Ares, pelo caos e pela violência, se emocionar é revolucionar. Assim como o hábito de ler e escrever permanece sendo um ato revolucionário, afinal, uma parcela da população ainda julga o conhecimento como uma “arma letal”, sendo alvo de muitas críticas e censuras.
Não precisamos retornar muito na ordem cronológica da humanidade para confirmar essa última afirmação, afinal há alguns anos, livros eram queimados pelo regime nazista e escritores eram cruelmente censurados e perseguidos pelo simples fato de propagarem suas ideias.
A literatura em seu aspecto mais amplo, há séculos se configura como um ato revolucionário, uma forma de resistência e de luta contra o mal incrustrado no ser humano. Não me entenda errado, não estou querendo generalizar e segregar a sociedade, afinal, todos os seres são como yin-yang, luz e sombra, bom e mau. No entanto, levando em consideração que vivemos em uma sociedade em que a empatia está em níveis baixíssimos, se emocionar é mais uma forma de resistir ao caos instaurado. E é sobre isso que eu quero que você reflita, sobre o poder libertador que está interligado às emoções e à literatura.
Toda essa reflexão veio através de três livros que por uma sincronicidade do universo, presente do destino ou mero acaso — eu não acredito em acaso, mas você pode chamar como preferir — chegaram até mim na mesma época e para a minha surpresa, todos os assuntos se entrelaçavam, se complementavam, entrando em perfeita sincronia com o que eu já vinha refletindo e sentindo. Os pensamentos já estavam ali, sendo ruminados e marinados, e depois de muita leitura e de alguns debates entre amigos, enfim senti que estavam prontos para serem compartilhados com um público maior.
Todo esse movimento interno começou através das palavras de Virginia Woolf em The Common Reader, um ensaio sobre o escritor russo Tchekhov, em que a mesma, ao discorrer sobre o refinamento estilístico do autor, trouxe algumas análises pertinentes que me chamaram tanta atenção a ponto de eu sentir as palavras de Woolf se entrelaçarem ao meu próprio sentir e ao de tantos outros escritores, como se tudo fosse conectado. O que de fato é.
A autora britânica cita no ensaio em questão a seguinte frase: “À medida que lemos essas pequenas histórias a respeito de absolutamente nada, o horizonte se amplia; a alma adquire um sentido surpreendente de liberdade.” Suas palavras me abraçaram de uma forma especial, pois senti que ela não falava apenas sobre os contos de Tchekhov, como também sobre a literatura no seu sentido mais amplo.
Quando falo em liberdade, associo ao autoconhecimento, ao poder da imaginação e à emoção. Quando falo em emoção, estou me referindo a tudo o que nos impacta, o que nos faz refletir, sentir e ressignificar.
Para mim, a literatura é sobre isso: Emoções.
Como romancista, eu procuro juntar técnica à intuição e emoção, afinal, sem instigar o gatilho do sentimento, da perturbação que leva à transformação, não conseguimos tocar o coração do leitor e aquelas letrinhas que preenchem uma folha em branco, serão apenas formiguinhas literárias de ideias soltas. Fazer literatura e ler literatura é sobre transformar vidas através de palavras, no entanto, sem sentimento dificilmente terá transformação.
Por que eu escolhi falar sobre emoções em um texto sobre literatura? Seria mera romantização característica de romancistas? Pode ser quem sim, porém vou deixar você tirar as próprias conclusões, afinal, essa é uma das coisas mais belas que a escrita me proporciona: Dividir opiniões, gerar debates e fazer o leitor sentir.
Entendeu em que ponto estou tentando chegar ao argumentar sobre a associação entre literatura e emoção, nesse texto que é quase um híbrido entre artigo, ensaio e crônica? Se você não parar para refletir sobre as minhas palavras, eu não te causei nenhuma emoção, o que é uma lástima e mostraria que eu não cumpri o meu papel de lhe fazer refletir. Por outro lado, mesmo que você discorde de cada palavra que eu proferi, ache uma besteira cada argumento, ainda assim ficarei feliz, afinal, atingi o meu objetivo: Fiz você sentir, independente de concordar comigo ou não, de certa forma fiz você pensar sobre as minhas palavras e se conectar com os seus sentimentos intrínsecos.
No marketing falamos sobre a importância de ativar o gatilho da emoção, campanhas publicitárias de sucesso são criadas com base na estratégia de envolver a persona, ativar alguma lembrança ou sentimento, e converter essa emoção em vendas. E isso não acontece apenas no meio publicitário, é consenso também no meio corporativo e claro, no universo literário.
Uma história precisa ser vendida, certo? Pois bem, como um livro será vendido se não impactar, não emocionar e o leitor não se conectar? Exatamente, mais uma vez voltamos ao ponto inicial da minha reflexão: Emoção. Para emocionar o leitor, precisamos de verossimilhança para assim gerar uma das emoções mais fortes: Empatia. Ame ou odeie, concorde ou discorde, todos esses adjetivos são entrelaçados à emoção.
Em A literatura como remédio: Os clássicos e a saúde da alma, Dante Gallian cita o “poder afetivo, mobilizador, transformador que a leitura de histórias, ficcionais ou não, pode exercer sobre uma pessoa.”, fazendo referência a Santo Agostinho na obra Confissões, sobre o efeito que alguns livros têm de “revolver as ondas do coração”.
Já Olga Tokarczuk cita nas últimas páginas da premiada obra no Prêmio Nobel, Escrever é muito perigoso: Ensaios e conferências, que: “A literatura é construída precisamente com base na sensibilidade em relação a cada ser diferente de nós mesmos. É o principal mecanismo psicológico do romance.”
A literatura é um remédio para a alma, mas também é fonte de autoconhecimento e um exercício de empatia. Você pode estar me questionando: Como assim, empatia? O que isso tem a ver com as emoções e a literatura?
Pois bem, você já parou para refletir sobre como funciona a química do seu cérebro quando você sente as emoções do personagem de um romance, por exemplo?
Na minha obra Fios do Destino, eu conto a história de Marianna que após uma experiência de quase morte, precisa encarar o luto e se recuperar. O leitor acompanha a trajetória da protagonista, vivencia ao seu lado a sua evolução e também a sua vida amorosa, que se divide entre sentimentos passados e o desejo de liberdade. Esse livro não me rendeu apenas um prêmio internacional como também o presente de poder trocar ideias com leitores que se digladiaram nas redes sociais sobre com quem Marianna deveria ficar, os mesmos que choraram com as tristezas e celebraram cada progresso no processo de recuperação e redescoberta de uma personagem fictícia. Você percebe? Através de um livro, do contato com a história de pessoas fictícias, somos capazes de exercer a empatia.
Para resumir, quero enfatizar que ao se identificaram de alguma maneira, seja com algum trecho ou pela sensação de semelhança com algum personagem, o leitor se transforma. Seja no momento da leitura ou após o livro ser finalizado, os sentimentos latentes de cada um, em algum momento geram um movimento revolucionário dentro de suas próprias mentes, se manifestando em insights poderosos sobre suas próprias vidas fora das páginas.
Isso é empatia, isso é emoção, isso é transformação.
Todos esses sentimentos e insights foram compartilhados entre leitores e comigo, através de mensagens, debates sobre a obra ou apenas comentários nas redes sociais. Todo o movimento de compartilhamento e conexões entre conhecidos e desconhecidos, me leva a mais uma citação de Tokarczuk quando a autora afirma que essa comunicação acontece até mesmo fora das palavras, em um movimento de identificação entre pessoas com interesses em comum, afinal “A literatura cria laços entre as pessoas, permite que elas se comuniquem.”.
Falamos muito em teoria, comprovação científica e racionalidade, mas esquecemos de conversar sobre a emoção, uma das experiências mais primitivas que tivemos contato e que não deve ser negligenciada. Literatura também é sobre comover, não apenas sobre ensinar a teoria.
É inegável o poder revolucionário que a literatura carrega, seja através da escrita ou da leitura, estamos suscetíveis às emoções, a aprender com personagens, a nos conhecermos através da identificação com histórias e gêneros literários. É por intermédio dos livros e das páginas preenchidas que podemos enxergar o mundo em sua quase totalidade, acolhendo histórias e sentimentos que não são nossos, tal qual fazemos com os personagens que criamos ou nos conectamos através de uma boa leitura. A literatura nos ensina mais do que podemos imaginar, basta treinarmos o nosso olhar para enxergarmos além do que vemos com os olhos. É preciso compreender além das capacidades lógicas e racionais, afinal se queremos sentir o poder transformador das letras, é preciso sentir a literatura além da teoria e da técnica.